quarta-feira, 23 de março de 2011

My precious...

Ela sempre foi descolada e conseguia conversar com as pessoas das séries acima. Ele tinha uma cabelo medonho, era semi-gordo, mas já conhecia a galera. A outra sempre foi extrovertida e sempre mantinha contato com quem quer que fosse – até a menina que veio do Acre. Eu custei a aceitar que 7 era uma nota legal e que calça de veludo azul não deveria ser usada para ir ao shopping.
Passamos por aparelho nos dentes, baladas no Avelino’s, primeiro churrasco, primeiro tudo, primeiro zero em física com o João Bosco. Engordamos, esticamos o cabelo, emagrecemos, compramos roupas novas. Fizemos escolhas, erramos algumas, tentamos consertar algumas outras. A gente namorou, terminou, ficou solteiro, namorou novamente – não necessariamente nessa ordem. Alguns vieram, outros foram. A gente riu, chorou e algumas vezes choramos muito, em outras rimos muito também.
Ela é bióloga, mora em Londres e tem um coração do tamanho do mundo. Ele, às vezes eu acho que não existe, deve ter sido meu irmão em outra vida. Passou por tanta coisa e deve ser por isso que é tanto hoje. A outra, não é outra, é única e farmacêutica – e ama o que faz. Certamente é a pessoa que menos dorme no mundo e a única que topa de casamento árabe à balada crente.
E eu... eu amo tanto esses três... tenho tanto orgulho...
Posso ter perdido muita coisa pelo caminho, mas tenho absoluta certeza de que ganhei muitas, muitas outras.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A aniversariante

Fazer aniversário nas férias. Não tem coisa melhor não, é? Pois bem, uma certa garota ia fazer vinte e tantos anos e estava muito feliz porque tudo estava dando muito certo na vida dela. Aquela alegria que não se explica, mas que faz a gente sorrir pro velhinho passeando com o cachorro e brincar com a criança que está no colo da mãe na fila do pão. Talvez fossem as caminhadas diárias na praia, talvez fosse o contanto mais constante com amigos deliciosos de se conviver. O fato era que ela estava feliz.

Véspera de aniversário, ela foi para a cidade vizinha onde todos alguns amigos se encontrariam pra tomar uma cerveja e conversar. Duas grandes amigas, o namorado de uma e o irmão da outra. Chegando ao bar, surpresa. Uma mesa enorme com uns conhecidos – bem divertidos por sinal – que os fizeram juntar mesas e monopolizar o bar. Depois de muitas risadas que faziam doer a barriga, decidiram ir embora.

Contudo, a noite é uma criança. A aniversariante, sua amiga e o irmão da respectiva decidiram voltar para a cidade da moça e esticar um pouco a noite.

No bar que encontraram aberto conversaram com todos os presentes sentindo aquele torpor e falta de inibição de quem deveria ir pra casa e dormir. Tudo era engraçado e tudo o que queriam era que o bar não fechasse. Mas isso aconteceu. O que restou aos três foi pedir uma dose de gim para cada antes de ir.

A última memória da aniversariante é o gim caindo sobre as pedras de gelo no copo e o gosto único do sal com  limão na sua boca. Alguns flashs dos acompanhantes entrando em sua casa e nada mais.

O interfone tocou às 2 da tarde e acordou a moça na sua tarde de aniversário. Ela estava estirada na cama com as pernas caídas pela beirada, a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado davam a impressão de que ela havia fugido da rehab e o gosto de guarda chuva que sentia na boca a fez prometer que pelo menos naquele dia, não chegaria perto nem de álcool em gel. Ela não fazia idéia de onde vinha o som e demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. Se arrastou pra fora da cama e tirou o aparelho do gancho.

Quem falava era uma mulher de voz ríspida e seca, chama-se Carmen e logo se anunciou como sub-síndica do prédio. Pediu para a moça descer pois tinham algo muito sério a ser conversado.

A aniversariante enfiou qualquer roupa, tentou juntar os tufos rebeldes de cabelo para traz da orelha, o que a deixou com cara de louca, e desceu ao encontro da magnânima.

- Olá querida, desculpe te acordar assim no dia do seu aniversário, mas algo muito chato aconteceu ontem aqui no prédio e eu não posso esperar mais para conversar com você.

A moça engoliu a seco e não fazia idéia do que havia acontecido. Será que ela havia tentado entrar no apartamento do vizinho? Isso já acontecera quando morava em outro prédio e estava um tanto alcoolizada. Flashes daquela noite vieram na sua mente, quando, às 5.30 da manhã, um homem desconhecido abriu a porta do apartamento que ela julgava ser seu e perguntou se ele era o novo namorado da menina com a qual ela dividia o apartamento. Lembrou da vergonha que sentiu quando viu a decoração do apartamento por traz dos ombros do homem e percebeu que estava no andar errado.

A voz da mulher grande, gorda, fedida e com bobs no cabelo tornou a ecoar no hall do prédio e fez a aniversariante voltar àquele momento. Estava curiosa.

- Pois bem, querida. Seus amiguinhos fizeram uma algazarra sem tamanho aqui ontem!

Como assim? Algazarra? Ela não lembrava de nada e a única coisa que conseguiu fazer em sua defesa foi colocar a mão direita na boca como sinal de total surpresa e descrença. A mulher continuou:

- Gritaram, esmurraram sua porta, acordaram todo mundo do seu andar, de outros andares e do prédio vizinho! Do prédio vizinho! O síndico teve que ir lá pra pedir pra eles pararem com a barulheira, para eles descerem. As pessoas não paravam de interfonar para a portaria por causa do barulho. Foi uma noite de caos que eu nunca vi aqui!

Nada fazia sentido. Nada. Ela não conseguia entender nada. Porque eles fariam essa barulheira? Ela franziu o cenho em silêncio e a fedida entendeu.

- Parece que a menina esqueceu a bolsa na sua casa, quando chegou no carro e percebeu que estava sem nada, voltou no seu apartamento. Como a porta estava fechada, tentaram te ligar, tocar a campainha, esmurraram a porta pra te acordar. Pelo visto acordaram a cidade inteira, menos você!

O motivo era óbvio, estava bêbada como um gambá na noite anterior. Lembrou-se de ter dado 20 reais para o garçon como gorjeta gritando a ele que usasse o dinheiro para comprar um panetone – isso nunca aconteceria em situações normais. Depois de se lembrar desse momento, entendeu que se alguém, naquele bar, tivesse acendido um cigarro ao seu lado, a quadra explodiria. Sendo assim, não era de se surpreender que tivesse apagado segundos após deitar. A aniversariante tentou se desculpar (e se livrar de uma multa). O desespero da amiga também era compreensível. O marido dela precisaria do carro dali algumas horas para trabalhar e ela não tinha como avisá-lo sobre o ocorrido – tudo estava na bolsa trancafiada no apartamento da bêbada adormecida.

- Nossa, dona Carmen. Peço mil desculpas. Não acredito que isso tenha acontecido, estou morrendo de vergonha! Isso nunca aconteceu antes!

Bem, na verdade aconteceu sim. Reclamações por barulho. Culpa da cama, culpa da paixonite que viajaria dali uma semana, culpa do som levemente alto assim como do timbre da voz das visitantes. Eram poucas, mas o interfone já havia tocado em seu apartamento algumas vezes com um coro de vizinhos irritados. Mas assim que era avisada de que estava sendo inconveniente, ela tomava as devidas providências para não importunar os outros. A última coisa que se deve querer é ser uma persona non grata em um prédio habitado por velhos. Dona Carmen parecia não saber do histórico da garota, e continuou:


- Olha filha, eu entendo, já tive sua idade e...

A velha falou mais que o Fidel Castro e passou pelo menos 45 minutos discorrendo sobre como escolher amigos, como uma mulher casada deveria se portar, como moças solteira devem agir, como o álcool pode causar câncer, como sua reputação de sub-síndica estava arranhada e outros assuntos interessantíssimos para uma jovem de ressaca. A aniversariante fingia prestar atenção na velha enquanto tentava vencer violentas ondas de enjôo. Mesmo pasma e envergonhada, ela desejou, por alguns instantes, sair correndo e gorfar na curva mais próxima, mas quis demonstrar controle e responsabilidade. Quando o discurso parecia ter tido um fim, Carmen arrematou:

- A gota d’agua foi o que o irmão da sua amiga fez!!!

Céus, o que mais poderia ter acontecido?

- Ele fez cocô no lixo do seu andar!!!

Ela fez força para não rir. Não que o fato fosse engraçado – de certa forma era. Mas a real razão é que aquela situação era surreal. Aquilo não podia ser verdade, parecia que ela estava em alguma pegadinha, que a qualquer momento o Rodrigo Faro ia aparecer com uma gincana. Era como assistir um dia ruim de uma outra pessoa. Ela não sabia o que falar e babulciou o mesmo pedido de desculpas que havia feito antes. Queria ir para seu apartamento e deitar a cabeça no travesseiro, ela pesava muito.

- Fez cocô e limpou com a meia!!!

O porteiro que limpou tudo veio confirmar a história. Ela não sabia o que fazer, se ria, se saía correndo, se pedia desculpas, se pedia logo a multa para parar de ouvir aquela mulher de voz desagradável. Por fim, depois de mais uns 30 minutos de um monólogo de Dona Carmen – dessa vez sobre respeito, lealdade, amor ao próximo e, mais uma vez, sua reputação abalada de co administradora do edifício – ela parou de falar.

A aniversariante não sabia muito bem o que sentir, se sentia raiva ou pena da amiga, do cagão, do porteiro e da velha de bobs. Na verdade, ela não queria sentir nada mesmo, o que ela realmente desejava era dormir mais umas 3 horas e comer macarrão.